Castigada pela seca nos últimos anos, a Hidrovias do Brasil quer se desfazer de ativos non-core, uma medida que vai ajudar a reduzir os níveis de endividamento, que estão em níveis perigosamente altos para um Brasil de Selic a 15%.
Durante as rodadas de conversas com os credores para obter o waiver que permitiu o adiantamento de R$ 400 milhões feito pela Ultrapar — que caminha para se consolidar na posição de controladora —, a Hidrovias do Brasil indicou alguns ativos que pretende vender.
A intenção da companhia é vender o negócio de cabotagem no Pará e o terminal que possui em Santos, apurou The AgriBiz. No porto do litoral paulista, o terminal da Hidrovias do Brasil possui três armazéns e capacidade de movimentar 2,5 milhões de toneladas por ano (basicamente, de sal e fertilizantes). Procurada, a companhia não comentou.
Juntos, os dois ativos representam cerca de 20% do faturamento da Hidrovias do Brasil. Não à toa, esse é o limiar de receita que a companhia pode abrir mão com a venda de ativos sem disparar o vencimento antecipado das debêntures, conforme decisão da assembleia de credores feita em 14 de dezembro.
Nos primeiros nove meses do ano passado, os serviços de cabotagem — transporte marítimo de carga que não se afasta muito da costa nacional — da Hidrovias do Brasil fizeram uma receita de R$ 200,7 milhões. No terminal de Santos, por vezes, a companhia fez R$ 112,8 milhões.
Os dois ativos são considerados não estratégicos. A maior parte da receita da Hidrovias do Brasil é gerada nos corredores Norte e Sul, que transportam grãos, principalmente, mas também minério de ferro.
Ao todo, a receita do corredor Sul (rios Paraguai e Paraná) chegou a R$ 438 milhões de janeiro a setembro do ano passado, uma queda de 32% na comparação anual. A diminuição reflete a crise hídrica, que inviabilizou o transporte de minério de ferro a partir de agosto, derrubando também a rentabilidade. No período, o Ebitda caiu 75%.
No corredor Norte, onde os grãos são predominantes, o calado da região também tem sido um problema, mas a Hidrovias do Brasil ainda conseguiu manter a rentabilidade em 2024. De janeiro a setembro, a receita do Corredor Norte aumentou 14% (R$ 767 milhões), com o Ebtida aumentando 16% (493 milhões).
Mesmo com os resultados no Sul, a piora no Norte derrubou o Ebitda consolidando, agravando os indicadores de endividamento. Em setembro, o índice de alavancagem estavam em alavancagem 6,7 vezes, uma patamar excessivamente alta.
Nesses níveis de alavancagem, a companhia não pode emitir novas dívidas nem distribuir dividendos, como previsto nos covenants das debêntures. Para cumprir os covenant, a alavancagem deveria estar em até 3,5 vezes, o que evidencia a necessidade e melhorar a estrutura de capital.
A expectativa era de que parte relevante da estrutura de capital da Hidrovias do Brasil fosse resolvida com o aumento de capital de R$ 1,2 bilhão. As condições adversas de mercado, no entanto, inviabilizaram a operação, o que levou a Ultrapar a fazer o adiantamento de R$ 500 milhões.
Com os recursos da Ultrapar mais a emissão de R$ 400 milhões em debêntures feita recentemente, a Hidrovias do Brasil conseguiu o capital que precisava para pagar os US$ 150 milhões de uma parcela de bonds que vence neste mês.
Agora, a Hidrovias do Brasil aguarda a melhora das condições de mercado para retomar o aumento capital. Quando isso acontecer, a ideia é quitar as debêntures recém-emitidas, reduzindo a dívida bruta. Em setembro, o endividamento totalizava R$ 4,3 bilhões.
Para uma fonte que conhece os negócios da Hidrovias do Brasil de perto, a volatilidade climática dos últimos anos mostrou que a companhia vai precisar trabalhar com um patamar de dívida e despesas mais baixos, até porque esse é um cenário que veio para ficar.
Apesar disso, quem conhece a logística agrícola brasileira argumenta que o negócio da Hidrovias do Brasil continua atrativo, especialmente quando se considera o crescimento do plantio de grãos no Cerrado nos próximos anos. Para a soja produzida no médio-Norte de Mato Grosso, a companhia é muito competitiva.
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Listada na B3, a Hidrovias do Brasil está avaliada em R$ 3,8 bilhões. Em 12 meses, os papéis caem 16,5%. (Colaborou Luiz Henrique Mendes)