Parece filme, mas a cena é corriqueira nos rios utilizados para transporte de cargas na região amazônica: grupos de pessoas saqueiam navios e barcaças em ações muitas vezes violentas. As ações desses criminosos, chamados de “piratas”, têm se tornado cada vez mais frequentes — e encontram circunstâncias ainda mais favoráveis em períodos secos como o atual.
A ação dos piratas na região não é exatamente um problema novo, mas a recorrência desses crimes vem aumentando nos últimos anos e tornou-se um problema ainda mais latente com a seca histórica que atinge o norte do País.
Com o baixo nível dos rios, as embarcações acabam navegando em um ritmo mais lento e com um maior número de paradas, principalmente à noite, explica Raimundo Holanda Filho, presidente do Fenavega (Federação Nacional das Empresas de Navegação) e vice-presidente da CNT (Confederação Nacional do Transporte).
“A seca nos deixa ainda mais vulneráveis à pirataria”, disse Holanda Filho ao The Agribiz. “Antes, tínhamos um assalto por mês, a cada 15 dias, e hoje estamos sendo assaltados praticamente todos os dias”.
Cerca de R$ 120 milhões foram roubados em mercadorias em rios como o Madeira e Amazonas no ano passado, segundo estimativa do Fenavega. Os grãos transportados pelo rio Madeira normalmente têm como destino os portos de Itacoatiara (AM), Santarém (PA) e Barcarena (PA), que responderam por um terço das exportações brasileiras de milho e de 20% dos embarques de soja até agosto deste ano, segundo dados do Ministério da Agricultura.
Apesar de ser uma rota para o transporte de grãos, os piratas visam principalmente o roubo de diesel devido à facilidade em comercializar a mercadoria furtada. Também ocorrem roubos de açúcar, no caso de produtos agrícolas, e de produtos industrializados que saem da Zona Franca de Manaus.
Falta de tripulantes
Para o agro, a principal preocupação não está nos prejuízos com o roubo das cargas, mas sim no aumento da insegurança no transporte em barcaças, o que pode resultar em um problema sério de mão de obra, afirma uma fonte do setor de grãos. O presidente do Fenavega concorda: “Às vezes penso que daqui a alguns dias não teremos mais tripulantes”.
Holanda Filho conta que as quadrilhas de piratas estão atuando com embarcações cada vez mais velozes e armamento mais pesado, rendendo facilmente a tripulação, que também tem seus pertences roubados. Entre os principais gargalos que facilitam a atuação da pirataria, ele cita a ausência de obras de dragagens para aumentar a profundidade dos rios, a falta de equipamento adequado por parte da polícia e a existência de outras ações criminosas agindo na região, como o garimpo ilegal e o tráfico de drogas.
Diante da crescente criminalidade na região, o governo federal lançou, em julho deste ano, um plano para reforçar a segurança na Amazônia. O projeto prevê a implementação de seis bases fluviais de segurança, além de 28 bases terrestres.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Segurança Pública não respondeu a um pedido de comentário sobre a segurança no transporte aquaviário na região amazônica.
Efeitos nas exportações
Os transtornos causados pela seca no norte estão levando traders a reduzir as suas expectativas para as exportações de milho em outubro, segundo Sérgio Mendes, diretor da Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais). Como consequência, o grupo cortou sua estimativa para os embarques do cereal neste mês em 7%, para 8,5 milhões de toneladas, embora a programação dos navios nos portos tenha sofrido poucas alterações na última semana.
“Um ou outro navio, quando é possível, está sendo desviado dos portos do Norte para Santos por precaução”, disse Mendes. “Mas não podemos dizer que está havendo uma corrida para Santos”, acrescentou.
A Hidrovias do Brasil, que faz o transporte de barcaças entre o terminal de transbordo em Itaituba (PA) e o porto de Barcarena, informou que aplicou algumas flexibilizações operacionais pontuais devido aos calados inferiores às médias históricas na região, mas reiterou que as suas operações na rota estão mantidas.