Capital de giro

Por que Deere e AGCO fomentam os M&As de concessionárias

“No mundo todo, as grandes marcas tem feito movimentos para fortalecer a rede", disse Gustavo Couto, CEO da Vamos.

Candidatas a protagonizar a próxima onda de consolidação no agronegócio, as concessionárias de máquinas agrícolas passam por um momento delicado e agitado no Brasil, com vendas em queda e M&As em andamento.

Só na semana passada, dois negócios foram anunciados envolvendo concessionárias da John Deere e da CNH, sinalizando uma possível aceleração nas fusões e aquisições, que formarão empresas mais preparadas para trabalhar, numa relação cada vez mais estreita, com as montadoras, que se tornaram fornecedores de tecnologia, indo muito além da produção de motores.

“As grandes montadoras têm como norte diminuir o número de dealers, formando grupos grandes e mais estruturados que possam acelerar a transformação do agro em algo mais tecnológico”, disse André Pereira, sócio da IGC Partners, uma butique de M&As com grande presença no setor.

“Temos transações avançadas nesse segmento e, em breve, devemos fechar uma operação”, acrescentou Pereira sem revelar nomes.

Na semana passada, a Primavera Máquinas, concessionária de máquinas da John Deere que pertence ao grupo RZK — holding criada pelo empresário José Ricardo Rezek—, anunciou a aquisição da goiana Real Máquinas. O negócio tem potencial para adicionar mais de R$ 600 milhões ao faturamento do grupo com máquinas agrícolas, cujo potencial é estimado em cerca de R$ 2 bilhões.

A CNH também assistiu a um M&A entre seus parceiros na semana passada. A Brasif, empresa até então focada em equipamentos de linha amarela, decidiu entrar no mercado de máquinas agrícolas por meio da aquisição da Maxum, que possui cinco lojas na Bahia e no Piauí. O valor da aquisição não foi divulgado.

Um negócio de escala

Entre as principais razões apontadas para consolidação, a escala é unanimidade, já que o negócio de venda de máquinas agrícolas é altamente intensivo em capital de giro.

“Em 2013, a John Deere lançou no Brasil o programa ‘dealer of tomorrow’, cuja principal premissa é escala”, resume Marcelo Lopes, diretor de vendas da John Deere no País.

Outro fator que tem estimulado a consolidação é o desafio crescente entre os revendedores de atrair e reter talentos, segundo Lopes. Os serviços de manutenção estão se tornando cada vez mais sofisticados, exigindo profissionais com maior formação —e mais exigentes.

“As pequenas empresas não conseguem oferecer a remuneração e os benefícios suficientes para atrair esses profissionais”, disse Lopes ao The AgriBiz, após evento promovido pela John Deere em São Paulo para apresentar as principais novidades que a empresa levará à Agrishow, principal feira de máquinas que começa em duas semanas em Ribeirão Preto (SP).

A profissionalização também está levando as concessionárias de máquinas agrícolas a acessar os mercados de capitais. A Tracbel, outra concessionária da John Deere no Brasil, levantou recentemente R$ 350 milhões por meio de uma emissão de CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio).

Depois de também ter acelerado o crescimento por meio de aquisições, a Tracbel atualmente possui 16 lojas de máquinas agrícolas no Brasil, com a receita das vendas de tratores e colheitadeiras alcançando cerca de R$ 1,5 bilhão.

Luiz Gustavo Rocha, presidente do conselho da Tracbel e filho do fundador, engrossa a análise sobre escala: com margens de lucro muito estreitas, ter rentabilidade exige um alto volume de vendas, disse ao The AgriBiz.

Um dealer na Bolsa

As concessionárias de máquinas também têm um representante no mercado de ações. Embora seja mais conhecida pela locação de caminhões, máquinas e equipamentos, a Vamos possui um negócio de concessionária de máquinas agrícolas das marcas da AGCO (Valtra e Fendt), com 34 concessionárias nos principais Estados produtores de grãos (Mato Grosso, Paraná e Goiás).

Essa vertical, que começou em 2017, acelerou o crescimento por meio da aquisição da DHL, concessionária de máquinas do Paraná, por R$ 120 milhões. Hoje, a Vamos já é a maior concessionária da AGCO na América Latina.

Para Gustavo Couto, CEO da Vamos, a consolidação do mercado de concessionárias de máquinas agrícolas é um movimento natural. “No mundo todo, as grandes marcas tem feito movimentos para fortalecer a rede. Essa tem sido a tônica do nossos trabalho junto com a AGCO”, disse ao The AgriBiz.

Para as fabricantes de máquinas agrícolas, é importante contar com grupos de concessionárias que tenham maior capacidade de investimentos e que conseguem atravessar momentos mais difíceis, como o atual, disse Couto.

A Vamos não detalha os dados mais recentes — é razoável supor que caíram, considerando o comportamento do mercado e os dados divulgado no quarto trimestre. De outubro a dezembro, o faturamento da Vamos com concessionárias em geral (o que inclui outros segmentos, como caminhões e linha amarela) atingiu R$ 484 milhões, queda de 28,4% na comparação anual. O Ebitda do negócio de concessionárias ficou negativo em R$ 36 milhões.

A queda das vendas de máquinas agrícolas foi, seguramente, o setor responsável pela piora dos resultados no quarto trimestre. Em reação, a Vamos chegou a paralisar a compra de máquinas agrícolas, negociando o prazo de pagamento dos equipamentos em estoque, medidas tomadas para otimizar o capital de giro.

Vendas em queda

A Anfavea, associação que representa as montadoras, estima uma queda de 11% nas vendas de máquinas agrícolas em 2024, depois de uma retração de 13% no ano passado.

Com a queda no preços dos grãos e perdas de produtividade em algumas partes do País, os produtores estão menos propensos a investir na renovação da frota, derrubando as vendas e elevando os estoques.

A John Deere e a AGCO chegaram a paralisar parcialmente as operações nas fábricas de Horizontina e Santa Rosa, respectivamente, e concederam férias coletivas devido às piores condições de mercado. Se elas continuarem adversas por um longo período, o ritmo de consolidação pode até desacelerar, segundo Pereira, da IGC Partners.

“Se o mercado sofrer muito, talvez isso mais atrapalhe do que ajude”, disse Pereira, lembrando que a deterioração nos resultados sempre acaba dificultando os M&As.

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