O agronegócio brasileiro faz as contas das perdas provocadas pela irregularidade da chuva e do calor nas regiões Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste —atribuídos ao fenômeno El Niño. No Sul, os produtores calculam possíveis prejuízos pelo excesso de chuva e, por consequência, diminuição do número de horas de sol.
Em breve, ainda neste mês de dezembro, a “gangorra” da chuva irá inverter e a precipitação será mais intensa sobre Matopiba, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Pará. Por outro lado, a região Sul terá uma maior sequência de dias ensolarados.
Mas o estrago está feito para muitas culturas. Talvez, o único setor que não tenha sentido muito até o momento seja o de cana de açúcar. Nos canaviais, o inverno e a primavera mais secos ajudaram a colheita. Além disso, o último verão com chuva regular favoreceu o desenvolvimento da cana. Mas, para o início da colheita de 2024, a conta deverá chegar devido ao atual atraso da chuva.
Voltando ao clima, o interessante é que o atual El Niño não é o mais intenso desde o início dos registros, apesar de ter trazido consequências que não eram vistas há décadas.
Os últimos monitoramentos feitos pela Administração Nacional de Oceano e Atmosfera (NOAA) indicam uma anomalia de temperatura do oceano Pacífico equatorial central de 1,8°C entre setembro e novembro e de até 2,1°C especificamente na última semana de novembro. A maior anomalia de temperatura foi observada no El Niño de 2015 e 2016 com valores de 2,6°C.
Outros culpados
Mas então por qual motivo os impactos neste ano são tão radicais? Extremos climáticos não podem ser explicados por apenas um fator. O El Niño deste ano não está sozinho e outros oceanos também estão ajudando a marcar ainda mais a presença do fenômeno.
Aliás, em uma conversa com outros meteorologistas em meados de 2023, questionava-se justamente o que poderia vir no segundo semestre. Isso porque, além do Pacífico, o oceano Atlântico Norte estava muito aquecido, além do aparecimento de um dipolo no oceano Índico. Desde que a temperatura de todos os oceanos começou a ser medida de forma sistemática, no fim da década de 1970, não eram vistas tantas áreas aquecidas ao mesmo tempo.
Os efeitos do El Niño são mais divulgados, como o aumento do calor nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, a diminuição da chuva no Norte e Nordeste e a precipitação excessiva no Sul.
Já o Atlântico Norte aquecido se encarrega se “puxar” a chuva para o Hemisfério Norte, fazendo com que o inverno e a primavera sejam mais secos no Brasil. Em 2020, o Atlântico Norte também estava aquecido, fazendo com que o inverno tivesse grande quantidade de queimadas no Pantanal e o mês de outubro registrasse a maior onda de calor da história até aquele momento em Estados como São Paulo e Mato Grosso.
Por fim, o tal dipolo do Índico é uma diferença de temperatura observada entre as porções leste e oeste do oceano. Enquanto a costa da África fica mais fria, a região da Oceania tem um aquecimento.
Artigos científicos afirmam que há uma correlação entre este padrão de temperatura no oceano Índico e primaveras mais secas no Sudeste e Centro-Oeste e chuva acima da média entre Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai.
Percebemos, então, coincidências de áreas que recebem mais ou menos chuva quando somamos os efeitos de todas as temperaturas dos oceanos.
Com a chegada do verão, o efeito do dipolo do Índico perde relevância. Além disso, nas últimas semanas a diferença da temperatura entre o Atlântico Norte e Sul diminuiu. Isso não quer dizer que choverá regularmente sobre o Matopiba, por exemplo, até porque ainda temos a presença do El Niño. Porém, com menos protagonistas, espera-se um início de verão menos radical em relação à primavera.