Que as mudanças climáticas vão moldar o futuro da pecuária brasileira, poucos duvidam. Mas o resultado vai depender de como os agentes relacionados ao setor vão reagir às exigências para uma produção de carne mais sustentável.
Para a Orbitas, uma iniciativa da consultoria global Climate Advisers, trata-se de uma oportunidade para pecuaristas e investidores.
Com um aumento de 88% nos investimentos, estimados em US$ 157 bilhões, os pecuaristas poderiam elevar a produtividade média por hectare em 18% entre 2020 e 2050, criando condições para aumentar a produção sem a necessidade de ocupar novas áreas.
Essa é a principal conclusão de um extenso estudo divulgado nesta quarta-feira pela Orbitas, que analisa riscos e oportunidades na transição climática para provedores de capital e stakeholders do setor agrícola.
Uma onda de investimentos nessa magnitude também seria capaz de melhorar a qualidade das pastagens e estimular preços mais elevados por uma carne bovina livre de desmatamento e com baixa emissão de CO2 em mercados de exportação mais focados em sustentabilidade. Até os volumes de exportação poderiam subir em 9% até 2050, segundo as simulações da consultoria.
As ferramentas da transição
A agricultura regenerativa é citada no estudo como ferramenta para transformar a rentabilidade das fazendas, inclusive colocando propriedades hoje consideradas menos lucrativas em pé de igualdade com as fazendas mais produtivas. Os ganhos de produtividade em pastagens degradadas, segundo a consultoria, podem superar 300%.
Outro caminho apontado como relevante na mitigação de riscos durante a transição climática é o da diversificação da produção agropecuária e o uso de instrumentos do mercado de carbono.
Com técnicas reconhecidas e sistemas integrados de lavoura-pecuária-floresta, o grande desafio para a transformação da pecuária é o financiamento. “Esses recursos podem vir de empresas ligadas à cadeia da pecuária, investidores e do próprio governo”, disse Niamh McCarthy, diretora da Orbitas e da Climate Advisers, ao The AgriBiz.
A Orbitas elencou algumas iniciativas que têm procurado apoiar práticas agrícolas sustentáveis no Brasil, como o IFACC (Innovative Finance for the Amazon, Cerrado and Chaco), iniciativa ligada às Nações Unidas que visa alcançar compromissos de US$ 10 bilhões até 2025, e a Colaboração de Investimento em Soluções Baseadas na Natureza (NbS), do Capital para o Clima, buscando US$5 bilhões para o Brasil até 2030. Mas ainda é muito pouco perto do desafio de US$ 157 bilhões.
Indústrias brasileiras, como JBS, Marfrig e Minerva, também possuem iniciativas para fomentar uma pecuária alinhada às necessidades das mudanças climáticas.
E se nada for feito
No estudo, a Orbitas aplicou diferentes cenários para mostrar os potenciais impactos que as transições climáticas podem ter sobre a pecuária — e como os diferentes níveis de ambição de contenção do aquecimento global podem resultar em riscos ou oportunidades.
No cenário base, alinhado com a manutenção do aquecimento global abaixo de 2ºC do que os níveis pré-industrialização, as políticas que visam combater o desmatamento vão reduzir as áreas de pastagens em 37% até 2050, elevar o preço das terras e os custos de produção.
Assim, a produção de carne bovina cairia 25% no mesmo período, elevando os preços ao consumidor. Com o alimento mais caro e mudanças drásticas na preferência do consumidor, a demanda por carne bovina poderia cair 38% no mercado interno e de 5% no externo até 2050.
“E essas são estimativas conservadoras, que consideram medidas visando aquecimento global até 2ºC. É possível que as ações visem ambições maiores para a contenção do aquecimento global, pois os governos estão olhando para um mundo até 1,5ºC mais quente”, lembrou McCarthy.