Comércio exterior

Lei antidesmatamento da UE é frágil e Brasil deveria processá-la, diz especialista

Regulamentação, que entra em vigor em 30 de dezembro, exclui pequenos produtores e deve ter problemas na OMC, diz Nicolay Mizulin

A lei antidesmatamento da União Europeia vai excluir pequenos produtores da cadeia de fornecimento para o bloco e deverá ser objeto de litígios na Organização Mundial do Comércio (OMC). A análise, que poderia ser facilmente atribuída a um sojicultor ou frigorífico brasileiro, é de Nicolay Mizulin, sócio do escritório de advocacia Mayer Brown e especialista em comércio internacional.

Mizulin, que é baseado em Bruxelas, vê a nova lei como uma medida unilateral e com um suporte legal frágil dentro da OMC. “Acredito que o Brasil deveria e irá contestá-la”, disse o especialista nesta terça-feira, após apresentar os principais pontos e desafios da regulamentação europeia para clientes do escritório Tauil & Chequer em São Paulo.

Outros países do sudeste asiático que podem ser altamente impactados pelas restrições, como Malásia e Indonésia, também estão se articulando para contestar a lei antidesmatamento, segundo ele. Em setembro, o Brasil e esses dois países asiáticos, junto com outras 13 nações em desenvolvimento, enviaram uma carta conjunta a autoridades da UE reiterando preocupações com o caráter punitivo e discriminatório da normativa.

Nicolay Mizulin, sócio do Mayer Brown, criticou a lei antidesmatamento da União Europeia

“Legalmente, a questão é: a UE tem o direito de dizer ao Brasil que, se tiver um produto de área desmatada após 2020, não pode enviá-lo para a Europa? Não é nisso em que a OMC se baseia. Temos um comércio livre e certos requisitos. Se você proibir algo, deve haver uma justificativa razoável e não discriminatória para isso”, afirmou Mizulin.

“Existe um debate de princípios sobre se a EU pode realmente dizer ao Brasil o que fazer com as suas florestas. Com base nisso, legalmente dentro da OMC, essa regulamentação como um todo tem um suporte bastante frágil”, acrescentou.

Riscos para o Brasil

Prevista para entrar em vigor em 30 de dezembro deste ano, a regulamentação da UE proíbe a importação de commodities que tenham sido produzidas em áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

Além de estimular o fim do desmatamento em países considerados de maior risco, como o Brasil, a lei também tem o objetivo de reduzir as emissões de carbono causadas pelo consumo europeu dessas commodities em pelo menos 32 milhões de toneladas por ano.

Cerca de US$ 8 bilhões em exportações brasileiras estão expostas à nova lei da UE, segundo Mizulin. No caso do Brasil, o maior risco está nas exportações de soja, carne bovina e café.

Vida real

Embora a teoria possa favorecer o Brasil, uma discussão desse porte na OMC demoraria anos para ser concluída. Além disso, muitos especialistas questionam a real influência que a OMC tem hoje no comércio global depois de tantos acordos bilaterais fechados nos últimos anos.

Na prática, aqueles que quiseram continuar exportando para a UE em 2025 vão precisar se adequar às exigências, acrescenta o especialista, que não vê a possibilidade de um recuo por parte dos europeus. Segundo Mizulin, as autoridades da UE argumentam que estão abertas ao diálogo e que estão conversando com a Indonésia e a Malásia sobre uma possível ajuda financeira para a implementação de sistemas de certificação.

Mesmo assim, ele vê a exclusão de pequenos agricultores como inevitável num primeiro momento. “O comércio será monopolizado. As grandes empresas que investiram e estão atualizadas em rastreabilidade, avaliação de riscos e mitigação irão, pelo menos no curto prazo, assumir a maior parte do comércio”, disse. “Isso vai gerar muita receita para os grandes grupos de commodities que estão atualizados nisso, mas deixará os pequenos de fora por enquanto”, acrescentou.

“Não é que os grandes grupos não se importem com eles. Eles não estão apenas tentando cortar o fornecimento porque o produto não tem evidências de rastreabilidade. Na verdade, eles estão investindo para validar os pequenos produtores, mas isso leva tempo. A realidade inicial será difícil”, afirmou.