ENTREVISTA

Na crise climática, o agro é um dos mais negacionistas, diz Carlos Nobre

Um dos maiores climatologistas do mundo defende agricultura regenerativa e o fim do desmatamento (legal ou ilegal) como caminhos incontornáveis

Carlos Nobre, climatologista brasileiro

“Quando analisamos todos os setores, o mais negacionista é o agro. É um desafio global, dentro de um setor que não tem caminhado na direção de combater a emergência climática”.

A dura — e incômoda — constatação vem do brasileiro Carlos Nobre, um dos mais renomados cientistas globais. O climatologista participou nesta segunda-feira de uma roda de conversa promovida pela francesa Tereos, um dos principais grupos sucroalcooleiros do Brasil.

Num país em que 75% das emissões de gases de efeito estufa vêm das mudanças do uso da terra (leia-se, desmatamento), equacionar esse problema é uma questão urgente, da qual o agronegócio não pode ficar de fora.

Além do necessário combate ao crime — as queimadas que atingiram regiões de cana em São Paulo só podem ser entendidas nesse contexto —, Nobre defende uma mudança de cultura no campo, migrando para práticas abarcadas pelo conceito de agricultura regenerativa.

“É um sistema mais produtivo, usa uma área muito menor, torna o sistema mais resiliente e é mais lucrativo. A pecuária regenerativa tem uma lucratividade de 2 a 4 vezes maior por hectare do que a pecuária média do Brasil. Faz sentido econômico, mas ainda é um desafio muito grande entender porque a transição é tão lenta”, disse Nobre.

O alento é que nem tudo está perdido (mas o tempo é curto). Na agricultura, o Brasil parece ter todas as ferramentas necessárias para fomentar essa agricultura do futuro — apesar dos passos de tartaruga.

Há 14 anos, o País possui um programa de agricultura de baixo carbono (o Plano ABC), mas ele chega a apenas 11% das fazendas brasileiras. Do lado do financiamento, o BNDES conta uma linha de juros baixos para agricultura e pecuária regenerativas, mas a adesão é tímida.

Globalmente, a situação climática nunca foi tão urgente, alertou Nobre. O mundo está prestes a confirmar um aumento de 1,5 grau celsius na temperatura global, algo que era esperado apenas para daqui a dez anos. “A ciência não consegue explicar como avançamos tão rápido de 2022 para cá, quando a temperatura tinha subido 1,2 grau”, afirmou Nobre. 

Se o mundo continuar no mesmo ritmo de aquecimento, a perspectiva de aumentar a temperatura média em 2 graus celsius até 2050 se torna cada vez mais provável. Caso esse cenário se confirme, a extinção dos corais em todo o mundo, a perda de mais da metade da Amazônia e o descongelamento do Permafrost se tornam reais, o que injetaria pelo menos 500 bilhões toneladas de gases de efeito estufa no mundo todo.

“Se atingir três graus, os oceanos ficam muito mais quentes e a quantidade de emissões absorvida pela atmosfera, hoje em torno de 51% a 54% das emissões, diminuiria dramaticamente. E, se chegarmos a 2100 com mais de quatro graus, não tem Cerrado e nem Amazônia”, resumiu Nobre.

A tarefa não depende somente do agronegócio, é claro. Apesar de o Brasil ter 75% das emissões atreladas ao desmatamento, globalmente, 70% das emissões de gases de efeito estufa vêm de combustíveis fósseis.

Em uma perspectiva global, o agronegócio representa 23% das emissões — ou 28%, se incluídos os combustíveis usados nessa atividade. Isso não elimina, por óbvio, o protagonismo do setor em meio a essa batalha global, até porque a transição energética passa pelos biocombustíveis.

Durante a roda de conversa com Nobre, o CEO da Tereos, o francês Pierre Santoul, reforçou o potencial dos biocombustíveis e adotou um tom construtivo, citando uma expressão popularizada pelo filósofo italiano Antonio Gramsci. “O pessimismo da inteligência não deve abalar o otimismo da vontade”.

Pierre Santoul, CEO da Tereos Brasil, promoveu uma roda de conversa com o climatologista Carlos Nobre | Crédito: Flavio Florido/ Tereos

Saindo do filosófico ao prático, o executivo mencionou que regras mais duras como as da União Europeia vão surtir efeito positivo, apesar da resistência de alguns agricultores. “Temos visto um apetite grande dos fornecedores para se certificarem. Nós temos hoje 500 fornecedores e devemos ter todos eles certificados até 2030, como parte de nossas metas”, afirmou.

De olho em discutir caminhos e apontar alternativas para o Brasil em meio aos desafios climáticos, The AgriBiz conversou com Carlos Nobre depois da roda de conversa. Os principais pontos da conversa você lê abaixo.

O sr. menciona que o agro é negacionista em relação à crise climática. Tem jeito de mudar?

Tem sim. É necessário começar a educar todos os estudantes para mostrar o gigantesco potencial da agricultura e pecuária regenerativa. Dá mais lucro, o agricultor tem uma vida muito melhor. Mas é fato que, hoje, a escala ainda é muito pequena. E se trata de um desafio global.

Na França, quando aumentaram o preço dos combustíveis fósseis para diminuir o uso, houve passeatas, com participação de agricultores, mesmo em um país superdesenvolvido.

Nos Estados Unidos, não é diferente. É difícil de entender, porque é um setor muito prejudicado com os eventos extremos. Mas são negacionistas e isso é um enorme desafio. Por isso digo que tem de acontecer uma mudança cultural. Começar a formar estudantes e futuros agricultores para entenderem que a agricultura regenerativa é o caminho.

As mudanças climáticas têm sido um assunto recorrente. Caso o aumento de temperatura seja confirmado, como isso pode impactar a COP-30, que vai acontecer em Belém em 2025?

Se isso acontecer, a COP30 é a mais importante da história. Vai ter de trazer práticas, políticas, que todos os países terão de assinar, se comprometendo a reduzir as emissões muito mais rapidamente. Talvez, no máximo em 2040. Mesmo que essa antecipação aconteça, é bom frisar que a temperatura pode, mesmo assim, chegar a um aumento de 2 graus celsius. 

Para evitar isso, terá de ser feito um grande projeto de restauração florestal. É possível hoje restaurar de seis a sete milhões de quilômetros quadrados em todo o planeta. Florestas tropicais crescem mais rápido, em latitudes médias e altas mais devagar, mas não faz mal. Elas têm potencial de remover de 5 a 6 bilhões de toneladas de gás carbônico por ano.

Qual seria o efeito disso?

Zerar as emissões ainda vai demorar muito tempo. De uma forma otimista, em 2040. Se esses grandes projetos de restauração florestal forem criados, eles vão retirar gases da atmosfera por um longo prazo, cerca de 100 anos. Então, vamos dizer que o mundo continue emitindo gases até 2040, os gases vão para a atmosfera, mas se você for, ao mesmo tempo, removendo de 5 a 6 bilhões de toneladas por ano desses gases, a temperatura pode até passar de 1,5 grau celsius, mas pode não chegar a um aumento de 2 graus celsius. E depois de 2050 pode começar a cair, até chegar a 2100 com um aumento de 1 grau.

São compromissos importantes, mas como eles seriam diferentes dos assumidos nas últimas décadas e que, mesmo assim, ainda não cumpriram com a tarefa de impedir que a temperatura global aumentasse em 1,5 grau celsius?

O que muda é que todo mundo, não só políticos, está sofrendo com os eventos extremos decorrentes do aumento de 1,5 grau. As populações estão sofrendo demais. E os setores também, com quebras de safras, como temos visto. Então, tem que existir uma pressão política em todos os países do mundo para fazer com que assumam esse compromisso. Já temos as tecnologias para reduzir emissões rapidamente. Mas a escala está sendo muito lenta. A transição tem que ser rápida, zerar os desmatamentos totalmente e fazer a transição energética para a energia renovável. 

É possível fazer tudo isso até 2040?

É totalmente possível. Falta decisão política. Veja você, a covid-19 em 2021 e 2022 trouxe um prejuízo econômico para o planeta de cerca de US$ 15 trilhões. Para fazermos uma transição rápida, é necessário investir de US$ 5 trilhões a US$ 6 trilhões por ano. O mundo tem esse dinheiro? É lógico que tem. É só ver o que se investe em petróleo, carvão, gás natural. É possível sim, mas tem de existir decisão política.