Commodities

Afinal, qual o impacto das queimadas para o açúcar?

Incêndios elevaram preço do açúcar em NY, beneficiando ações de São Martinho, Jalles e Raízen. Para analistas, impacto na oferta do adoçante vai muito além das queimadas

Queimada em plantação de cana | Crédito: Schutterstock

Depois de um final de semana protagonizado por manchetes de incêndios nas regiões canavieiras de São Paulo, era de se esperar uma segunda-feira nervosa para as usinas. Mas, pelo menos na Bolsa, o dia foi de ganhos. O motivo: o açúcar disparou.

O preço da commodity subiu 3,5% na Bolsa de Nova York, voltando a se aproximar dos US$ 0,20 por libra-peso. O açúcar levou junto as ações da São Martinho, que chegaram a avançar quase 6% e fecharam com alta de 3,6%, atrás apenas da Petrobras. Raízen avançou 0,9% e Jalles Machado ganhou 2,6%.

Com forte presença no interior de São Paulo, a Raízen chegou a ser impactada pelo fogo descontrolado. A empresa paralisou temporariamente a moagem na usina Santa Elisa, em Sertãozinho (SP), depois que as chamas atingiram parte do estoque de biomassa da unidade, que já voltou a operar. Nos canaviais, cerca de 2% da moagem prevista para esta safra foi afetada. Na São Martinho, 20 mil hectares foram queimados.

Com o Brasil tendo papel cada vez mais importante no balanço de oferta e demanda, qualquer soluço por aqui deixa traders no mundo todo de cabelo em pé. Não é para menos: o País responde por cerca de 70% das entregas de açúcar bruto no mercado mundial.

Com São Paulo, principal estado produtor de cana, nas manchetes dos jornais por queimadas extensas — e até com suspeitas de ocorrências criminosas —, a reação do mercado (exagerada ou não) era certa.

Ainda não está claro, no entanto, os impactos que as queimadas podem ter na oferta de açúcar. Segundo a Orplana, grupo que reúne as associações de produtores de cana do Brasil, cerca de 59 mil hectares foram queimados em áreas de cana e de rebrota, com um prejuízo estimado em R$ 350 milhões. Só entre sexta-feira e sábado, foram identificados mais de 2,1 mil focos de incêndio. O estrago só não foi maior porque as chuvas ajudaram no combate às chamas.

Houve perdas tanto nos canaviais em produção, na cana em pé e nas áreas que estavam em processo de brotação, segundo a entidade. Mas esses prejuízos não necessariamente vão impactar a oferta de açúcar na mesma proporção, segundo Willian Hernandes, sócio da consultoria FGA, de Ribeirão Preto (SP).

“As áreas que estavam prontas para colheita tendem a sofrer pouco impacto”, disse Hernandes ao The AgriBiz, lembrando que a queima da cana antes da moagem era um processo comum no passado, antes da obrigatoriedade da mecanização. A queima da cana, portanto, não é algo que está fora do controle operacional.

Mas, ainda que o fogo não inviabilize o processamento da cana que estava pronta para a colheita, o episódio exige uma reprogramação da moagem e bastante agilidade das usinas: depois de 48 horas no campo, a cana que foi queimada começa a perder qualidade.

De janeiro até sábado, os focos de incêndio no Estado atingiram o maior número desde o início do acompanhamento do Inpe, em 1998.

Problemas para a próxima safra

As áreas mais sensíveis são as que seriam colhidas ainda este ano, nos próximos meses, e a cana que seria cortada apenas no ano que vem. Deve haver, portanto, impacto para a próxima safra.

Segundo Arnaldo Corrêa, diretor da Archer Consulting, os 59 mil hectares queimados equivalem a 4,2 milhões de toneladas de cana, ou 0,7% do volume que deve ser processado na safra 2024/25. “Não é grande coisa. Mas a grande questão não são as queimadas isoladamente, mas o efeito que o déficit hídrico está trazendo para os canaviais hoje”, afirmou ao The AgriBiz.

O especialista já começa a considerar que o volume de processamento na atual safra no Centro-Sul pode ficar abaixo de 600 milhões toneladas —entre 595 e 590 millhões. “Estamos dizendo que mais de 2,5% da produção vai quebrar em função desse déficit hídrico”, ressaltou.

Como o mercado se antecipa, todas as atenções estão voltadas aos efeitos do clima seco na próxima safra de cana do próximo ano. “Se no próximo ano tivermos 540 milhões de toneladas, por exemplo, vai ser muito preocupante”, diz.

Empurrão

Para Hernandes, da FGA, o agravamento dos incêndios neste final de semana foi o empurrão que faltava para uma reação dos preços, que mantinham um viés de baixa mesmo diante de um mix menos açucareiro do que o previsto inicialmente para a safra do Centro-Sul, causado por uma piora na qualidade da cana.

No início da safra, as consultorias especializadas esperavam que as usinas destinassem mais de 51% da cana para a produção de açúcar, um recorde. Mas, no acumulado da safra até 1º de agosto, o mix açucareiro ficou em 49%, segundo dados da Unica.

Só pela mudança no mix esperado pela a FGA (de 52,5% para 51%), a consultoria estima que a oferta de açúcar pode ficar 1 milhão de toneladas abaixo de sua expectativa inicial. Já o impacto das queimadas na produção de açúcar tende a ser uma pequena fração desse volume, entre 100 mil e 200 mil toneladas, segundo uma estimativa preliminar. Como referência, na safra passada as usinas do Centro-Sul produziram 42 milhões de toneladas de açúcar.

“Essa correção nos preços já estava no radar por causa desse mix menos açucareiro e acabou acontecendo na esteira dos incêndios”, afirma o sócio da FGA.

Outro ponto a se considerar é a posição vendida dos hedge funds, que estavam apostando na baixa das cotações. “Eles terão de pagar um preço para sair dessa posição”, observa Corrêa. Com novas dúvidas sobre a capacidade de oferta, os vendedores devem diminuir a presença no mercado.

E a seca continua

Depois de as chuvas ajudarem a controlar as queimadas no final de semana, as condições climáticas voltarão a favorecer novos focos a partir da segunda metade desta semana, com o aumento da temperatura, baixa umidade do ar e previsão de ventos acima de 30 quilômetros por hora todos os dias da semana, segundo Celso Oliveira, meteorologista da Prisma e colunista de The AgriBiz.

“Não há previsão de chuva pelos próximos 15 dias em São Paulo”, diz. “Na melhor das hipóteses, teremos chuva a partir da segunda quinzena de setembro. Mesmo assim, não será intensa e abrangente.”

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Diante dos impactos das queimadas aos produtores de cana, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), prometeu R$ 100 milhões em subvenção para seguro rural. Ele também anunciou que o Estado não tinha mais focos ativos de incêndio nesta segunda-feira.