
Imagine aplicar um novo inseticida na fazenda que tem o mesmo preço de um produto tradicional e a mesma eficácia. Só tem uma diferença crucial: o produto novo mata as pragas ao atacar diretamente moléculas específicas do corpo delas, em vez de usar um conjunto de compostos químicos.
Essa é a premissa da GreenLight Biosciences, empresa que acaba de chegar ao Brasil depois de um aporte de US$ 25 milhões da Just Climate — firma de investimentos com foco em soluções climáticas ligada à gestora de Al Gore, ex-vice presidente dos EUA, e que no Brasil é liderada por Eduardo Mufarej, ex-sócio da Tarpon.
Pioneira no mercado de bioinseticidas, a GreenLight quer replicar no País o sucesso que conquistou em pouco tempo nos Estados Unidos, seu país de origem. No ano passado, a empresa foi a primeira a aprovar um bioinseticida junto à EPA (Environmental Protection Agency), um produto que combate o besouro da batata. Atualmente, a solução é a segunda mais vendida nos EUA — com ambições de chegar à liderança em 2025.
Tanto crescimento em tão pouco tempo está ligado ao fato de que esse inseto se tornou resistente aos defensivos químicos tradicionais, aumentando a carência de produtores por uma nova solução capaz de combatê-lo. A empresa entregou essa solução, num produto chamado Calantha.
“Só não vendemos mais por restrição de capacidade, já vendemos tudo”, disse Andrey Zarur, CEO e cofundador da GreenLight Biosciences, ao The AgriBiz.
Trata-se de um bioinseticida aplicado tal qual um defensivo químico, que, ao interagir com o besouro, impede que ele continue se alimentando da plantação imediatamente após aplicado — uma vez que interage com uma enzima ligada ao sistema digestivo do inseto – causando a morte dele entre 24 e 48 horas depois de aplicado.
“O produto ataca apenas uma enzima que está presente apenas no besouro da batata. Portanto, não afeta as joaninhas, não afeta as abelhas, não interage com as minhocas no solo. Em resumo, não afeta nada que não seja o besouro da batata”, frisou Zarur.
Além desse bioinseticida — já aprovado pelas autoridades — a GreenLight também deve obter em breve o aval da agência reguladora americana para outro produto, ligado a um ácaro que afeta colmeias.
Nesse caso, a lógica da aplicação é um pouco diferente. O produto é transportado pelas abelhas operárias às “bebês”, principais vítimas dessa praga. Quando elas se alimentam do produto, ele funciona como um “antibiótico” (mas, claro, sem químicos).
O primeiro passo no Brasil
Por aqui, a principal aposta da empresa é o FortiVance, um produto que potencializa o desempenho de inseticidas tradicionais para combater a lagarta do cartucho. O bioinseticida será fabricado localmente, em parceria com uma empresa na região sudeste.
Já foram produzidos mais de um milhão de litros, que serão distribuídos por todo o País, refletindo a ambição da empresa de estar presente em pelo menos 400 mil hectares de largada. Para isso, a GreenLight já firmou parcerias com cerca de 15 distribuidores locais e mira também vendas diretas. Recentemente, a GreenLight montou um escritório em Piracicaba (SP) para reforçar essa tarefa.
O preço deve ficar em paridade com os químicos. “Quando nós começamos a empresa, desenvolver tecnologia de RNA custava milhares de dólares por grama. Hoje, após dez anos, conseguimos reduzir isso para menos de um dólar por grama”, explica o executivo.
Além do bioinseticida contra a lagarta do cartucho, que já obteve os avais necessários para ser comercializado, a empresa trabalha em duas outras soluções. Uma delas ataca um fungo chamado oídio, presente em uvas, por exemplo, e a outra solução ataca ácaros presentes em diversas culturas de frutas.
A intenção é comercializar esses produtos no Brasil em 2026, estendendo sua aplicação também para outros países da América Latina. “O produto que combate o oídio é muito eficaz em uvas para a produção de vinho. Então, regiões como Argentina, Chile e México, por exemplo, podem ser mercados importantes para ele também”, ressalta Zarur.
Para chegar a essas formulações, a empresa mantém uma rotina intensa de testes. Para mapear pragas como a lagarta do cartucho, por exemplo, a empresa faz o sequenciamento do RNA do inseto, insere os dados em um computador e passa a analisar os diferentes genomas do inseto para separar o que ele tem em comum com outras pragas do que é único dele.
A partir daí, pelo menos 20 protótipos do inseticida biológico são criados. Com testes em laboratório, esse número é reduzido para cinco. Estes são testados em uma estufa e três deles são levados ao campo.
Além de ter essa tecnologia, o diferencial da GreenLight é ter a capacidade própria de fabricação dos inseticidas. Hoje, a empresa tem a maior fábrica de RNAs do mundo, localizada em Rochester (Nova Iorque).
Futuro
Com tanta capacidade instalada e uma trajetória de pelo menos dez anos de pesquisas, a empresa já faz esforços para ir além dos inseticidas em si, trabalhando também em protótipos de herbicidas e em soluções capazes de aumentar a resistência de plantas aos vírus, atuando na imunidade delas.
Mesmo com todos esses esforços, o CEO destaca que a GreenLight não vai conseguir, sozinha, desenvolver produtos capazes de combater todas as pragas usando soluções de RNAi, motivo pelo qual pretende, cada vez mais, tornar a companhia uma plataforma de colaboração e de pesquisa.
Nesse processo, a empresa não vai cobrar os cientistas. O racional é que, se um novo produto for desenvolvido e o pesquisador quiser levá-lo ao mercado, a GreenLight vai fabricá-lo e os lucros serão divididos entre ambos.
“Nós não queremos afastar outras empresas desse mundo. Na verdade, é o oposto. Queremos trazer mais pessoas para o mundo de RNA. Existem milhares de pestes no mundo, que trazem um custo de mais de US$ 100 bilhões em danos para as fazendas. Hoje, 40% da comida é destruída nas fazendas antes da colheita. Não temos tempo para competir uns com os outros”, afirmou Zarur.
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No Brasil, o uso de RNAi para produzir biológicos também é explorado pela startup Bsafe Biotech, liderada por José Tomé, fundador do Agtech Garage.