Opinião

Por que os ataques à moratória da soja são um tiro no pé

Os ataques à Moratória da Soja procuram deliberadamente ignorar a sua importância histórica e atual para as exportações brasileiras

Moratória da soja
Desde a entrada em vigência da Moratória, a área de soja no bioma Amazônia quadruplicou, lembra Frederico Favacho | Crédito: Greenpeace

Nos últimos anos, e com mais ênfase neste de eleições municipais, vêm se intensificando os ataques à Moratória da Soja, acordo estabelecido em 2006 entre empresas da cadeia econômica para não adquirirem os grãos produzidos em áreas desmatadas após 22 de julho de 2008 no bioma amazônico.

As principais acusações que se faz à Moratória são a de que ela não respeitaria a soberania nacional na medida em que ignoraria o conceito de desmatamento legal previsto pelo Código Florestal Brasileiro em prol de uma imposição estrangeira de desmatamento zero, e que impediria o desenvolvimento de municípios localizados na Amazônia. Essas regiões seriam, assim, impedidas de aproveitar suas áreas para a lavoura da soja, commodity que lidera as exportações do agronegócio brasileiro.

Como resultado desses ataques, a Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados promoveu, nos meses de abril e julho deste ano, audiências públicas para debatê-la com os representantes da ANEC (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais), Abiove (Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais), CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), e a Associação dos Produtores de Soja, a Aprosoja.

Ao final das audiências, a deputada federal que convocou a audiência propôs a abertura de uma CPI Mista da Moratória e a realização de mesas de discussão nos estados, organizadas pela Aprosoja, com a participação de produtores para buscar soluções para o fim da Moratória.

Ainda no mesmo sentido dos ataques à Moratória, a Assembleia Legislativa de Rondônia aprovou em julho um projeto de lei (521/2024) que retira incentivos fiscais e concessão de terrenos públicos das empresas signatárias do acordo, seguindo o exemplo dado por Mato Grosso.

No ano passado, os parlamentares do principal Estado produtor de soja do País aprovou em 1ª votação um projeto de lei (2256/2023) que altera a Plano de Desenvolvimento de Mato Grosso (Lei 7.958/2003).  Com isso, buscam suspender os incentivos fiscais a empresas que “estejam organizadas em acordos comerciais nacionais ou internacionais, que ocasionem restrição de mercado, perda de competitividade do produto mato-grossense ou obstrução ao desenvolvimento econômico e social dos municípios”.

Ambas as iniciativas legislativas trazem em suas respectivas exposições de motivos o mesmo fundamento: o enfrentamento à Moratória da Soja. Mas o que os ataques à Moratória da Soja procuram deliberadamente ignorar é a sua importância histórica e atual para as exportações brasileiras desse grão.

Nos primeiros anos deste século, a soja brasileira estava sob forte pressão de várias organizações não governamentais. Em 2004, por exemplo, ocorreu o Responsible Soy Global Forum, o primeiro fórum de discussão sobre sustentabilidade na cadeia da soja que daria origem, em 2006, à Round Table on Responsible Soy Association – RTRS, com sede em Zurique, na Suíça.

Em abril do mesmo ano, o Greenpeace lançou o relatório “Eating up the Amazon” (Comendo a Amazônia), que procurava demonstrar que a cadeia da soja amazônica estava contaminada pelo desmatamento, expondo empresas consumidoras como o McDonald’s. O resultado naquele momento foi devastador, com ondas de protesto mundo afora contra o McDonald’s e a Cargill, que além de fornecedora tinha recentemente implantado um terminal em Santarém (PA), na confluência dos rios Tapajós e Amazonas.

Foi neste contexto que, em 24 de julho de 2006, a Moratória da Soja foi assinada pelas associadas da ABIOVE e ANEC, renovada em 22 de julho de 2008, reduzindo imediatamente aquela pressão internacional sobre a cadeia da soja brasileira, garantindo as exportações e os preços da commodity no mercado internacional.

Desde a entrada em vigência da Moratória, a área de soja no bioma Amazônia quadruplicou, saindo de 1,64 milhões de hectares para 7,28 milhões na safra 2022/23 dos quais 94,9% estão livres de desflorestamentos, indicando que a soja passou a ocupar majoritariamente áreas de pastagens pouco intensificadas.

Ao longo de seus mais de 15 anos de existência a Moratória se tornou, além de uma vitrine importante para as iniciativas de sustentabilidade da soja brasileira, somando-se a outras como o programa Soja Plus, lançado em Minas Gerais em 2014, também um grande repositório de informações sobre a evolução do plantio da soja no bioma Amazônia com base nas análises anuais do Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

A Moratória e o Green Deal

A importância da Moratória não pode ser subestimada, especialmente nos dias correntes, quando o cenário internacional volta a ser desafiador para as exportações brasileiras de produtos do agronegócio.

Em 2020, a União Europeia aprovou o compromisso de se tornar o primeiro continente neutro em relação ao clima em 2050, adotando um conjunto de medidas conhecido como Green Deal Europeu.

Dentro desse movimento, foi aprovado pelo Conselho da União Europeia a proposta do Parlamento Europeu de um Regulamento sobre a disponibilização no mercado da UE, bem como a exportação a partir da UE de certas mercadorias e produtos associados ao desmatamento e degradação florestal, o EUDR (European Union Deforestation Regulation). O EUDR não é inteiramente novo, mas construído a partir da experiência anterior do Timber Regulation, um regulamento próprio para o comércio de madeira na UE.

A exposição de motivos (Explanatory Memorandum) da Proposta de Regulamentação afirma que o principal motor do desmatamento e da degradação florestal e do consequente impacto no clima é a expansão das terras agrícolas para a produção de commodities, com destaque para carne bovina, cacau, café, dendê e soja.

Para conter essa expansão, o Regulamento condiciona a colocação e disponibilização daquelas commodities e de produtos derivados no mercado da UE à confirmação de que estes produtos não provêm de áreas desmatadas (deforestation-free) a partir de 31 de dezembro de 2020 — ainda que o desmatamento seja legal no país de origem.  Esta confirmação deve ser obtida pelos interessados por meio de sistema de due diligence obrigatório e escalonado, combinada com um sistema de benchmarking entre os países produtores.

O Regulamento prevê medidas provisórias para determinar que os agentes em desconformidade adotem as medidas corretivas adequadas, sem prejuízo das seguintes penalidades: (i) apreensão das mercadorias, produtos e receitas pertinentes, (ii) multas; (iii) suspensão ou proibição de atividades económicas relevantes, e (iv) exclusão dos processos de contratação pública.

Assim, os produtores e exportadores brasileiros precisarão cooperar com os operadores europeus e traders para atender aos requisitos de informação e mitigação que o Regulamento impõe, o que pode incluir a manutenção e fornecimento de documentos e informações detalhadas sobre a descrição do produto, nomenclatura, quantidade, país de produção, coordenadas de geolocalização, permissão específica para uso da área no procedimento de produção, data ou intervalo de tempo de produção e quaisquer outras importantes informações para provar que commodities e produtos derivados provêm de área não desmatada a partir de 31/12/2020.

Independentemente das críticas ao EUDR e das acusações que lhe são atribuídas de constituir nova forma de barreira não tarifária ao comércio internacional, o fato é que o cenário é novamente desafiador para o agronegócio brasileiro e a OMC, fórum pertinente para as discussões políticas e econômicas relacionadas, está fragilizada.

Assim, jogar fora o capital que a Moratória representa em termos de reconhecimento internacional das boas práticas da sojicultura nacional é um grande tiro no pé para a cadeia econômica.

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Frederico Favacho é sócio de agronegócios do Santos Neto Advogados.