Startup fundada há quatro anos para viabilizar a implantação de sistemas agroflorestais em pequenas e médias propriedades, a Belterra acaba de criar uma empresa dedicada à pecuária. Na largada, vai atuar como a principal parceira do Fundo JBS pela Amazônia em um projeto para atacar a elevada informalidade e a baixa produtividade de fornecedores indiretos de gado, questões que acabam resultando em aumento do desmatamento.
A Rio Capim, nova empresa da Belterra, irá atuar como um hub de apoio a pequenos pecuaristas no novo projeto do Fundo JBS. Batizado de Juntos, o programa tem como objetivo reposicionar o papel do pequeno produtor na cadeia da pecuária na Amazônia, promovendo a migração dele da cria para a recria.
Apoiada por investidores como Fundo Vale, Good Energies Foundation, Cargill e Gaia, a Belterra já estruturou cerca de US$ 35 milhões para o desenvolvimento de sistemas agroflorestais envolvendo culturas como cacau, açaí e cupuaçu. Agora, o modelo de negócios será replicado na gigantesca escala da pecuária.
“Para atingir a meta (do Fundo JBS) de ter 350 mil bezerros rastreados, imaginamos que teremos que imobilizar de R$ 900 milhões a R$ 1 bilhão em investimentos nos próximos anos”, disse Valmir Ortega, CEO da Rio Capim e sócio da Belterra. “Temos conversas avançadas com vários fundos para trazer novos investidores a bordo”, acrescentou.
Além de buscar investidores em equity e fundos interessados em dívida lastreada em carbono, a exemplo do que já faz na Belterra, a Rio Capim pretende levantar recursos por meio de um Fiagro no próximo ano, segundo Ortega. No início deste ano, a Belterra captou R$ 17 milhões com CRAs verdes emitidos pelo grupo Gaia com oferta coordenada pelo Santander.
No projeto inédito dedicado aos pequenos pecuaristas, o Fundo JBS está entrando com o capital catalítico, que aceita correr mais risco. Para dar a largada, vai destinar R$ 10 milhões a um piloto —valor que pode chegar a R$ 100 milhões nos próximos dez anos. O programa começa com 25 propriedades no Pará, mas a ideia é ampliá-lo rapidamente e atingir 3.500 famílias ao final de uma década, com o monitoramento de 380 mil hectares e a rastreabilidade de 350 mil bezerros na Amazônia.
O projeto
O novo projeto do Fundo JBS pretende reposicionar o agricultor familiar para a recria, atividade mais rentável do que a cria, onde os pequenos pecuaristas se concentram atualmente. Sem lucro na atividade, o produtor de bezerros hoje tem poucos —ou nenhum— recursos para investir em manejo e nutrição das pastagens. À medida que o pasto se esgota, ele acaba desmatando uma nova área.
O “hub acelerador” do Juntos terá a função de ajudar o produtor de cria a migrar para a recria. Para isso, assumirá a atividade da cria em parcerias com o pequeno pecuarista. Os animais, que serão rastreados desde o nascimento, serão transferidos para os pequenos pecuaristas por volta dos 9 meses. Os pequenos agricultores assumirão, então, a recria com o apoio de assistência técnica e financeira dos hubs. Eles ficarão com os animais até os 12 meses e serão remunerados pelo ganho de peso. Depois, os animais serão vendidos, com a ajuda dos hubs, para pecuaristas de maior porte que trabalham com a engorda.
“Queremos diminuir o problema tecnológico e aumentar a renda do produtor”, diz Andrea Azevedo, diretora executiva do Fundo JBS. Segundo ela, a ideia é estender o projeto a outras empresas com modelo de negócios semelhantes ao da Rio Capim e cooperativas de produtores que possam assumir o papel do hub. Uma parceria com a Fundação Solidaridad, que atua em outro na Amazônia com o Fundo JBS, está em fase de desenvolvimento.
“Precisamos ter dezenas, centenas de empresas fazendo a mesma coisa que a Rio Capim para que a gente seja capaz de transformar milhões de hectares. Criar uma empresa é importante, mas nosso desafio é criar um setor”, disse Ortega.
“Temos pouco tempo”
O evento de lançamento do projeto, realizado na tarde de ontem na sede da JBS em São Paulo, contou com a presença de nomes chave na temática da agricultura sustentável no Brasil e uma apresentação do professor e pesquisador da USP Ricardo Abramovay. No debate, teve força o consenso de que eliminar a pecuária da Amazônia é inviável.
Na plateia, estavam Marcelo Britto, ex-presidente da Abag hoje na Fundação Dom Cabral, Beto Veríssimo, co-fundador do Imazon, Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra, e Marina Piatto, diretora executiva do Imaflora, além de representantes de outras empresas engajadas no desenvolvimento de agricultura sustentável e de fundos de impacto social, como VOX Capital e MOV Investimentos.
Em uma intervenção ao final do evento, Veríssimo classificou o projeto como “a melhor ideia que surgiu neste tema nos últimos 20 anos”, mas destacou os principais desafios: tempo e escala.
“Temos uma década, no máximo, para resolver isso dada a gravidade das mudanças climáticas e o problema relacionado ao problema da pecuária e com a questão especulativa”, afirmou o fundador do Imazon. Com pelo menos 50 milhões de hectares na Amazônia subaproveitados ou com pecuária de baixíssima produtividade, a escala vai ser um elemento sempre presente nesse debate, acrescentou. “Precisamos operar na casa dos bilhões de reais, que é o que vai resolver o problema do tempo e da escala. Esse debate precisa continuar”.