Alimentos

Do amendoim à pipoca, como a General Mills escala a agricultura regenerativa

No Brasil, multinacional firma parceria com o Imaflora para desenvolver indicadores e medir a adoção de práticas regenerativas em seus fornecedores

General Mills, fazenda terra viva
Fornecedora da General Mills, a fazenda Terra Viva, em Casa Branca (SP), é uma referência em agricultura regenerativa | Crédito: Divulgação

CASA BRANCA (SP) – O relatório de sustentabilidade da General Mills, uma das maiores empresas de alimentos do mundo, é bem claro. A agricultura regenerativa é o caminho escolhido para assegurar o fornecimento de alimentos num contexto de extremos climáticos e, ao mesmo tempo, avançar em suas metas de descarbonização.

A meta da multinacional é alcançar 400 mil hectares de agricultura regenerativa globalmente até 2030. Nesse mesmo período, a General Mills anunciou que reduzirá 30% das emissões na cadeia produtiva. Em 2050, a meta é zerar as emissões. Para atingir esses objetivos, o Brasil, grande fornecedor de milho pipoca, batata, mandioca e amendoim, é estratégico.

A empresa americana se dedica ao tema muito antes dele explodir, sendo uma das pioneiras a levantar metas e dados no País. “Desde 2018, já investimos R$ 4,2 milhões em pesquisas e treinamentos em agricultura regenerativa”, diz Franciele Caixeta, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento Agro da General Mills para América Latina.

Em 2019, a General Mills firmou parceria com o Instituto de Manejo e Cerificação Florestal e Agrícola (Imaflora), que fez um balanço de Gases do Efeito Estufa (GEE) no milho pipoca produzido na região de Campo Novo do Parecis (MT). A conclusão foi de que a produção mato-grossense está entre as dez mais eficientes do mundo.

“Emitimos 70% menos CO2 do que a média global de milho”, afirma Franciele. O resultado levou a General Mills a ampliar o leque para abranger fornecedores de batata, mandioca e amendoim.

De acordo com as diretrizes da multinacional, para ser classificada como regenerativa, a fazenda precisa atender três dos seis primeiros requisitos a seguir: 1) Presença de raiz viva por pelo menos 130 dias, 2) Manejo Integrado de Pragas e Doenças, 3) Minimização do cultivo e cobertura de solo, 4) Fornecimento de nutrientes, 5) Rotação e Sucessão de Culturas, 6) Gestão, 7) Compartilhamento de Resultados e 8) Conservação de Ecossistemas.

 “A General Mills tem um modelo internacional de agricultura regenerativa que a gente adaptou ao contexto tropical, traduziu e transformou num questionário para os fornecedores daqui responderem. Foi uma autoavaliação que nos deu uma ideia do que seriam as práticas de agricultura regenerativa da empresa Brasil”, diz o engenheiro agrônomo Alessandro Rodrigues, gerente de ESG do Imaflora.

Por este primeiro retorno, o total da área autodeclarada de agricultura regenerativa pelos fornecedores companhia é de 45.234 hectares, mas esses dados ainda serão lapidados.

Agricultura tropical em foco

A General Mills entende que seus programas são mais bem sucedidos quando têm uma abordagem holística, em vez de prescritiva. Por isso, pediu ao Imaflora para desenvolver protocolos de agricultura regenerativa que levem em conta o contexto de cada cultura agrícola (amendoim, batata, mandioca e milho) que a empresa atua no Brasil.

Os consultores foram a campo entrevistar fornecedores da General Mills e elaboraram cartilhas de recomendação de agricultura regenerativa e questionários para entender em qual nível de adoção eles estão. “O que se aplica em batata é diferente do que dá certo em mandioca e amendoim”, diz Franciele.

“Tirando o milho, todas as culturas que a General Mills atua tem revolvimento do solo: amendoim, batata e mandioca. Estamos olhando não só o cultivo isolado, mas o sistema que aquela cultura está inserida. Por exemplo, o amendoim geralmente é plantado em áreas de reforma de canavial, acaba sendo inserido em uma rotação de culturas. Depois de quatro ou cinco colheitas de cana-de-açúcar, renova-se canavial com o amendoim”, explica Rodrigues. “O próximo passo é olhar como essas culturas estão dentro de um ciclo, de dois, três anos”, acrescenta.

A etapa atual é de construção coletiva. Nesta fase estão previstos treinamentos e dias de campo com troca de informações entre as equipes da General Mills, Imaflora e fornecedores da companhia para a criação de um banco de dados que permitirá entender como as práticas de agricultura regenerativa se correlacionam, como influenciam na saúde do solo e na produtividade para, a partir disso, criar indicadores precisos e medir os avanços na adoção de práticas regenerativas.

Referência

Voltada à produção de batata, cereais, citrus e amarilis, a fazenda do Grupo Terra Viva localizada em Casa Branca (SP) foi palco do 5ºdia de campo organizado pela General Mills e Imaflora, evento que reuniu cerca de 36 produtores em dezembro.

Fornecedora de batatas para a General Mills, a propriedade é referência em agricultura regenerativa, com uma cartilha que preconiza 10 itens: 1) Rotação de Culturas, 2) Plantas de Cobertura, 3) Uso Racional de Água, 4) Manejo Integrado de Pragas e Doenças, 5) Melhoria da Saúde do Solo, 6) Produtos Seguros e Saudáveis, 7) Projeto de Reflorestamento, 8) Separação de Resíduos, 9) Uso de Biofertilizantes e 10) Produção de Bioinsumos.

“Sempre adotamos várias destas práticas, mas – de uns tempos para cá – organizamos e sistematizamos para conseguir entrar mais nos detalhes”, diz Carlos Eduardo Franceschet, diretor do Grupo Terra Viva.

Cerca de 40% dos insumos utilizados na fazenda Terra Viva, fornecedora da General Mills, são biológicos | Crédito: Divulgação

Um dos direcionamentos foi focar na qualidade de solo. “A gente plantava batata quase o ano todo. O cliente pedia e a gente plantava, não estávamos respeitando a melhor janela de produção, a rotação adequada de cultura. A cada dois anos, voltávamos a plantar na mesma área. Agora, com práticas de agricultura regenerativa, demoramos três anos para voltar, plantamos culturas não comerciais, como braquiária, que favorece a estrutura do solo, e crotalária, que suprime nematoide”, diz o diretor.

“As mudanças têm um custo de entrada até o sistema entrar em equilíbrio, mas depois o resultado vem com o aumento de produtividade”, acrescenta Franceschet.

Resiliência

De acordo com Maurício Cherubin, professor de Manejo de Solo da Esalq (USP Piracicaba), que no dia anterior a visita à fazenda Terra Viva deu uma palestra ao grupo de produtores, “os sistemas regenerativos são mais resilientes às mudanças climáticas, o que fica evidente em anos mais adversos”.

Foi exatamente o que aconteceu nas fazendas do Grupo Terra Viva em 2023. “A safra de batata na região de Vargem Grande do Sul girou em torno de 36 toneladas por hectare de produtividade média e nós fechamos em 50 toneladas por hectare”, conta Franceschet.

Os insumos biológicos são outra frente de investimento do Grupo Terra Viva, com biofábricas voltadas à produção de fungos e bactérias que ajudam no controle de pragas, doenças e ciclagem de nutrientes.

No caso da unidade de Casa Branca, a propriedade tem parceria com um confinamento e transporta todos os dejetos líquidos para a fazenda. Lá, eles são tratados com micro-organismos benéficos, aerados por 48 horas e seguem para adubar as lavouras. Hoje, a propriedade usa 60% de produtos químicos e 40% de biológicos.

“Temos a intenção de transformar essas práticas em indicadores. Um deles seria a microbiologia do solo, saber quais os micro-organismos estão presentes e o que eles estão fazendo”, explica o diretor.

Não tem receita de bolo

Para quem gosta de fórmulas prontas, a agricultura regenerativa é um pesadelo. Trata-se de um conceito holístico, que prioriza a fertilidade do solo, a biodiversidade, a preservação dos recursos hídricos e o equilíbrio do ecossistema, a fim de assegurar resiliência climática às propriedades agrícolas, garantindo a produtividade das colheitas e renda ao produtor.

Não por acaso, a busca por indicadores de agricultura regenerativa é uma unanimidade no agronegócio. “Não tem nada pronto, a gente tem contado com ajuda de consultores, pesquisadores. Estamos construindo em conjunto com os agricultores”, diz o gerente de ESG do Imaflora.

A única certeza é que a saúde do solo será um dos indicadores. “Temos feito a BioAs, uma tecnologia de análise do solo desenvolvida pela Embrapa, que avalia dois parâmetros: atividade enzimática e biodiversidade do solo”, explica Rodrigues.

Há três anos, a General Mills encomendou do Imaflora um balanço de carbono em 15 fornecedores de batata, mandioca e milho pipoca. A empresa tem como meta repetir o levantamento de tempos em tempos, para saber quais práticas regenerativas os agricultores adotaram e qual foi o impacto delas na redução de emissões de CO2.

Não há dúvidas que agricultura regenerativa conversa com a agricultura de baixo carbono. “A partir do momento que você revolve menos o solo, você mantém o carbono estocado e torna o ambiente mais resiliente às mudanças climáticas. Não tem receita de bolo, depende de cada contexto que está trabalhando essas práticas”, diz Rodrigues.