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No Cerrado, financiar agricultura regenerativa demanda US$ 55 bilhões

Estimativa do Boston Consulting Group considera a conversão de uma área equivalente a Noruega para agricultura regenerativa — e um retorno de US$ 100 bi

Gado em Mato Grosso. Agricultura regenerativa | Crédito: Schuttertsock

O Cerrado pode se tornar referência global em agricultura de baixo carbono. Essa é a conclusão de um estudo do Boston Consulting Group (BCG), que vê uma oportunidade do tamanho da Noruega — ou 32,3 milhões de hectares — a ser aproveitada para a agricultura regenerativa nos próximos 25 anos, demandando um investimento de US$ 55 bilhões.

“Com uma taxa interna de retorno de 19%, em média, esse capital seria suficiente para fechar o gap de financiamento, diminuir riscos, além de acelerar a adoção de práticas regenerativas por todo o bioma”, afirma Lucas Moino, sócio de agricultura do BCG.

O retorno varia em relação ao tipo de atividade. Dos 32,3 milhões de hectares, o BCG estima que 23,7 milhões se referem a pastos com algum nível de degradação que podem ser restaurados (seja com pecuária ou agricultura regenerativas). Para esse investimento, a TIR (Taxa Interna de Retorno) varia entre 13% e 22%, com payback entre sete e nove anos. 

Os demais 8,6 milhões de hectares são terras que já trabalham com agricultura, mas que podem aumentar a adoção de práticas regenerativas. Essa atividade gera uma TIR de 16% a 29%, com payback de três a cinco anos. 

Para estimar o retorno, o BGC foi no detalhe. “Fizemos uma construção por meio de dados geoespaciais, olhando qual é a composição dessas áreas, qual o potencial relacionado a esse solo, identificando onde estão as pastagens degradadas e construindo cases a nível de propriedade rural por meio de registros no CAR (Cadastro Ambiental Rural)”, explicou Matheus Munhoz, analista de agronegócio do BCG e um dos responsáveis pelo estudo. 

Até 2040, os investimentos feitos no Cerrado gerariam US$ 100 bilhões em retorno para o produtor, além de um aumento de US$ 20 bilhões no PIB. 

Buscando recursos

Às vésperas da COP30, os números, que fazem parte do estudo “Cultivando a resiliência”, visam trazer mais clareza para todos os agentes envolvidos nessa cadeia — especialmente os financeiros — sobre o potencial de retorno da agricultura regenerativa.

O trabalho faz parte da LAB, iniciativa brasileira da Action Agenda on Regenerative Landscapes (AARL), criada na COP28 para catalisar investimentos em uso sustentável da terra. Além do BCG, participam da iniciativa o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) e a associação World Business Council, que réune mais de 30 empresas. 

No próximo dia 15, a LAB vai apresentar o estudo na Cúpula do Cerrado, um evento preparatório para a COP30 a ser realizado em Luís Eduardo Magalhães (BA). “Além desses dados, vamos levar para o evento uma primeira proposta de métricas para conseguir aferir esse impacto positivo”, contou Juliana Lopes, diretora de Natureza e Sociedade do CEBDS. 

É uma etapa fundamental para levantar o financiamento necessário — especialmente considerando o importante papel do setor privado nessa transformação. De acordo com os dados do BCG, quase metade (48%) dos US$ 55 bilhões viria de crédito subsidiado, mas outros 43% viriam de crédito comercial. 

O restante teria como origem iniciativas ligadas a blended finance, cruciais nos primeiros cinco anos de implementação — período em que o produtor ainda não gera caixa com a transição. Nas contas do BCG, será necessário levantar US$ 1 bilhão por meio de blended finance nesse período.

“A ideia é que o produtor tenha espaço para mesclar todas essas alternativas na obtenção de crédito. Ele vai pegar tudo que é possível dentro do Plano Safra, depois algum crédito de mercado e, por exemplo, se conseguir pegar algum crédito como uma CPR verde, ele já consegue uma condição melhor de juros”, explica Moino. 

E o produtor?

Para converter pastagens degradadas em regenerativas, o investimento do pecuarista é estimado em US$ 1,8 mil por hectare, em média. Já para a conversão de pastagens degradadas em agricultura regenerativa (ou sistemas integrados), o produtor teria de desembolsar US$ 2,3 mil por hectare. No caso da conversão de agricultura convencional para regenerativa, o gasto é de US$ 0,5 mil por hectare.

Os investimentos seriam focados em técnicas regenerativas variadas, como a adoção de insumos biológicos, gestão de resíduos, cultivo de cobertura, fixação de nitrogênio e pecuária com confinamento. Nesse cálculo, não estão incluídos mercados em desenvolvimento, como o do carbono. 

“Um ponto importante é ressaltar que a transição que falamos não se refere a tecnologias fora do alcance do produtor no Brasil. Estamos falando de tecnologias que são possíveis de serem aplicadas caso o produtor tenha acesso à assistência técnica e a recursos para realizar essa transição”, explica Munhoz.