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Nos bancos, um passo de cada vez rumo à agricultura regenerativa

Crédito para agricultura sustentável está no centro da estratégia dos bancos para zerar emissões até 2050. Medir resultados e dar escala são os grandes desafios

O compromisso assumido pelos maiores bancos do mundo de zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2050, o chamado Net-Zero Banking Alliance, tem mobilizado as instituições a aumentar a oferta de crédito para iniciativas que visam a transição para uma economia de baixo carbono. No Brasil, a agricultura regenerativa está no centro dela.

Depois de incentivar a adoção de práticas regenerativas entre os grandes grupos e produtores agrícolas nos últimos anos, os bancos veem a disseminação dos benefícios dessas iniciativas por toda a cadeia como o maior desafio para a transformação da agricultura — e para atingir a sua meta de zerar as emissões.

“Infelizmente, essa mudança não se conecta com todas as realidades brasileiras”, afirma Taciano Custódio, head de sustentabilidade do Rabobank no Brasil.

João Fernandes, head ESG Agro do Itaú BBA, cita um dado do Censo Agropecuário, do IBGE, para ilustrar o tamanho do desafio: 1% dos imóveis rurais detém 50% do PIB agrícola. “Temos uma grande classe de produtores que não está inserida no processo tecnológico e onde a gestão financeira é um desafio”, afirma Fernandes.

A estratégia é dar um passo de cada vez. Primeiro, os bancos começaram a catequisar os produtores que estão no topo da pirâmide.

No caso do Rabobank, banco holandês com raízes no setor agrícola, essa estratégia também é consequência do perfil de sua carteira de clientes, altamente selecionada com apenas 1.500 clientes ativos (200 empresas e 1.300 grandes produtores).

“Temos o viés de avaliar a ocupação do território e olhar junto com o cliente como é possível melhorar a produtividade com programas de sustentabilidade”, diz Custódio.

Para o “produtor raiz”, a prioridade é redução de custos e a sustentação do negócio no longo prazo, acrescenta. Por isso, o racional de adotar sistemas integrados entre lavoura e pecuária, o maior uso de fertilizantes biológicos e a redução no uso de defensivos químicos acabam sendo prioridade.

No Rabobank, grande parte desses projetos é financiada por operações de crédito vinculadas a critérios de sustentabilidade, conhecidos como sustainability linked loans — nos quais o financiamento não é concedido para um objetivo específico mas sim ao cumprimento de métricas sustentáveis.

O banco holandês também é figura tarimbada nos green loans, cujos recursos são voltados a um projeto específico, como a compra de equipamentos para irrigação, e foi um dos pioneiros na modalidade de blended finance por meio do fundo AGRI3, lançado em 2017.

Regenera The AgriBiz

No Brasil, foram concedidos US$ 114 milhões nos últimos cinco anos por meio do AGRI3, com mais de 60 mil hectares dedicados a projetos de agricultura regenerativa. Nessa estrutura, o capital catalítico vem de instituições como as Nações Unidas, o FMO e IDH.

Segundo o executivo do Rabobank, a demanda pelo crédito verde é grande, mas a rigorosa análise de uma equipe dedicada às avaliações das propostas na Holanda acaba barrando parte delas. “90% das propostas que batem no painel voltam para adequação”, diz Custódio, destacando o cuidado da instituição para reduzir o risco de greenwashing.

ESG na prateleira

No Itaú BBA, a estratégia para descarbonizar a carteira agro foi gerar incentivos financeiros para a adoção de práticas específicas de agricultura regenerativa e de baixa emissão. “Criamos uma prateleira de produtos financeiros ESG”, resume Fernandes.

Entre as linhas com desconto de taxas e recursos incentivados estão créditos para plantio de culturas de cobertura, uso de bioinsumos e recuperação de áreas degradadas. Neste último, o Itaú BBA atua como parceiro financeiro da Syngenta no programa Reverte, implementado em 2021.

“Decidimos começar a incentivar o produtor a dar o primeiro passo. O plantio de cobertura, por exemplo, já é uma grande melhora para aquele produtor só fazia plantio direto. O próximo passo seria incluir o insumo biológico, o que já leva a uma melhora significativa do negócio sem que o agricultor precise de uma grande assessoria técnica”, diz Fernandes.

“Mudar todo o sistema produtivo é muito ambicioso e custoso”.

João Fernandes, head ESG Agro do Itaú BBA

Em 2024, a carteira de créditos ESG do Itaú BBA no agro deve atingir R$ 2,6 bilhões. Para continuar crescendo, o banco quer mais parceiros. “Temos incentivado as empresas, como fornecedores de insumos e tradings, a serem parceiras nesse processo. Sozinho, o banco não vai conseguir trazer os incentivos necessários para disseminação das práticas na escala necessária”, afirma.

Em busca de escala

A Bayer tem trabalhado para ajudar o setor financeiro a superar os desafios de escala e de mensuração das práticas regenerativas. Depois de três anos desenvolvendo uma robusta base de dados que embasou métricas de análise de práticas da agricultura regenerativa, a multinacional alemã vai atuar como certificadora de CPRs verdes do Banco do Brasil — lastreadas na conservação de florestas dentro das propriedades.

“Essa parceria com o Banco do Brasil nos permite fazer isso em larga escala, o que era uma grande dificuldade para as instituições financeiras”, diz Fábio Passos, diretor do Negócio de Carbono da Bayer para a América Latina. E é só o começo. Segundo Passos, a Bayer está trabalhando com mais bancos e empresas para elaborar outras métricas e critérios de verificação, como foi feito com o BB para a Preservação do banco público.

No início do próximo ano, a Bayer pretende lançar um fundo de agricultura regenerativa. A ponte de quem conhece muito bem o agro e os parâmetros da nova agricultura pode ajudar a aproximar os investidores do produtor.