Em um mundo cada vez mais preocupado com as mudanças climáticas, não falta dinheiro para a agricultura regenerativa. Pelo contrário, investidores de várias partes do mundo querem saber como investir em projetos no Brasil que visam uma produção de alimentos mais sustentável ou a restauração de áreas degradadas. Mas, na hora de assinar o cheque, alguns entraves frequentemente minam a operação.
A visão é de bancos, empresas de investimento e startups focadas em projetos de restauração consultados por The AgriBiz. Para eles, falta ligar os donos do dinheiro ao agricultor por meio de mecanismos mais eficientes, que possam facilitar o financiamento à agricultura de baixo carbono. Iniciativas não faltam, e os gargalos são vistos com naturalidade como parte do processo de maturidade de um novo mercado.
“Existe um interesse grande dos investidores estrangeiros em entrar no Brasil, porque o País consegue aliar preservação florestal em grande escala, muitas áreas degradadas e uma alta capacidade de expansão produtiva”, afirma Marcelo Pereti, CFO da Belterra Agroflorestas, startup que implementa projetos de agricultura sustentável e tem 4 mil hectares sob gestão.
“Mas precisamos ligar os pontos entre o que o empreendedor precisa e o que o investidor pode fazer e poderia flexibilizar”, acrescenta.
Apesar da robustez do mercado de capitais brasileiro, que tem instrumentos consolidados como as CPRs, CRAs, FIDCs e Fiagros, investidores estrangeiros buscam um menor risco operacional para os projetos.
Pereti destaca um entrave relacionado às garantias, pois a alienação fiduciária nem sempre é possível. Em boa parte das iniciativas, as fazendas não são próprias e, no caso de startups como a Belterra, as propriedades não podem entrar como garantia já que elas não podem ser proprietárias de imóveis.
A busca por maior segurança pode ser resolvidas como blended finance — com filantropia ou investimentos de baixo retorno como o feito pela JBS no CRA da Rio Capim, garantindo as primeiras perdas, segundo o diretor de soluções baseadas na natureza da Vox Capital, Daniel Brandão. Ainda assim, alguns investidores querem mais garantias, possivelmente um seguro de crédito.
Cheque alto demais
O desencontro entre o aporte mínimo inicial dos investidores institucionais e a (baixa) escala dos projetos de agricultura regenerativa no Brasil é outro entrave. São valores altos demais para projetos de pequeno porte.
“Esses investidores normalmente têm um aporte mínimo de US$ 20 milhões ou US$ 25 milhões, o que obviamente é ótimo. Mas é difícil você começar um projeto já com um cheque de US$ 20 milhões”, afirma Pereti.
Investir em fundos locais que apoiam projetos de agricultura regenerativa poderia ser uma saída, mas muitos investidores institucionais não podem investir em fundos de fundos. Além disso, grande parte deles não quer entrar sozinha num projeto, o que acaba exigindo uma sindicalização e aumentando a complexidade da operação.
Depois de participar da Brazil Climate Week, uma semana realizada anualmente em Nova York para discutir as finanças globais, o cofundador da produtora de ovos orgânicos Raiar, Luis Barbieri, saiu convencido de que o problema não está nos instrumentos de financiamento, mas na escala. “Temos muitos projetos pilotos, mas precisamos partir para uma visão sistêmica”, afirma.
O papel do governo
Iniciativas recentes do governo federal tentam endereçar parte desses problemas. Para facilitar a entrada de capital estrangeiro, o Tesouro Nacional lançou este ano o Programa Eco Invest, uma linha de crédito subsidiada com recursos do Fundo Clima, que recebeu reforços do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial para a iniciativa.
São quatro sublinhas direcionadas a investidores nacionais e estrangeiros, incluindo blended finance, project finance e uma linha de liquidez e mitigação dos efeitos da volatilidade cambial. Na prática, os bancos tomarão crédito subsidiado para financiar projetos que visam redução das emissões ou mitigação dos efeitos das mudanças climáticas com uma contrapartida do governo: para cada R$ 60 milhões que o banco ou empresa captar no mercado externo, o Tesouro subsidiará R$ 10 milhões, por exemplo.
O acesso ao programa ocorrerá por meio de leilão, com a primeira rodada agendada para esta sexta-feira (11). “Esse é o tipo de estrutura de blended finance que ajuda a reduzir o custo de capital e aumenta o incentivo ao cliente. Temos uma linha de crédito que financia práticas regenerativas e estamos nos organizando para participar”, diz João Fernandes, head ESG Agro do Itaú BBA.
No mês passado, o BNDES também lançou uma linha de crédito para projetos de reflorestamento na modalidade de project finance e taxas de juros subsidiadas pelo Fundo Clima. O programa pode financiar até R$ 1 bilhão, com teto de R$ 100 milhões por operação.
Apesar das iniciativas, muitos apostam que o jogo só vai mudar quando as práticas sustentáveis forem tratadas nos programas de crédito agrícola do governo como condição, e não um diferencial. “O Plano ABC, por exemplo, quando vai ser integrado a toda a lógica do Plano Safra”, questiona Barbieri, da Raiar.