Falar em mercado de capitais e agronegócio é lembrar, frequentemente, de crédito e de terras — uma relação turbinada pela criação de uma série de instrumentos de financiamento privado. Mas nem só de crédito vive a relação entre o agro e a Faria Lima. Uma outra área de bancos e gestoras tem se dedicado a olhar com mais carinho para o campo: o wealth management (ou gestão de fortunas).
Fazer a ponte entre a gestão de fortunas e o agronegócio é um esforço de longo prazo, altamente regionalizado, com tempo de sobra para cafezinhos e muito olho no olho. É um trabalho que ganhou mais dedicação apenas recentemente, conta Brunna Viana, head de agronegócio do banco andino Andbank (que tem clientes de alto padrão, com um tíquete médio de R$ 8 milhões na conta corrente).
“Estou no mercado financeiro há 15 anos. Passei pela época em que os produtores não colocavam um real no banco, era tudo investido na fazenda. A pandemia virou um pouco esse jogo, com empresários tendo de aprender a investir e a controlar a liquidez”, explica. “Se eu tivesse que dar um palpite, diria que apenas metade desse mercado foi explorado.”
O banco tem investido para aumentar a sua exposição ao agronegócio. Além da contratação da Viana — dedicada ao Centro-Oeste — outras contratações, de executivos no Sul e na Bahia, foram feitas há cerca de um ano.
Às contratações locais, soma-se uma equipe que inclui advogados e o próprio investment banking do banco, responsável por, entre outros pontos, formatar operações estruturadas, como CRIs (Certificados de Recebíveis Imobliários) e CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio).
A empresa como porta de entrada
O racional é o de que não dá para chegar em pontos como planejamento sucessório e tributário de empresários sem, antes, passar pela via empresarial. É uma rota unânime entre os que atuam no universo do agro, um ambiente em que a pessoa física (PF) e a jurídica (PJ) estão muito mais unidas do que em grandes centros urbanos.
Com base nessa premissa, o Grupo SWM, ligado ao BTG Pactual e com R$ 6 bilhões sob gestão, inaugurou recentemente uma nova filial em Goiânia. Sem solução de prateleira, a estratégia é: mais vale um portfólio completo e adaptável de serviços do que soluções empurradas goela abaixo de empresas e empresários locais.
Mais do que isso, é um trabalho em que PF e PJ se confundem — e para o qual a rota de entrada não está no patrimônio pessoal, mas sim nas necessidades empresariais.
Hoje, na área de corporate, a casa faz a consultoria para operações estruturadas junto a bancos (como empréstimos, por exemplo, ou a própria contratação de seguros), chegando a, no limite, estruturar operações de dívida, como CRAs.
A casa oferece, por exemplo, ajudar os produtores com governança e estruturar opções diferentes de crédito em pequenos volumes, exemplifica. “A partir daí, a gente fica mais próximo desse empresário e consegue estabelecer um ecossistema que chega em pontos como gestão de riscos e o próprio planejamento sucessório”, acrescenta Thomé.
Com 20 anos de experiência no mercado financeiro, a executiva já comandou uma equipe de 57 assessores de investimento cobrindo todo o Centro-Oeste, além de contar no currículo com passagem por um family office ligado à XP, antes de chegar ao SWM neste ano. Em todos os empregos, uma unanimidade: calçar a botina para ir atrás dos clientes.
“Não é um público fácil, precisa conquistar a confiança. Nesse sentido, ter alguém da região, ser conhecido de alguém, ter feito algum trabalho e já ser reconhecido faz muita diferença. A visão predominante ainda é a de que as grandes instituições vêm para ‘sangrá-los’”, diz a executiva. Com o objetivo de ampliar esse relacionamento no Centro-Oeste, o escritório não estabelece um mínimo para investimentos para os clientes da região.
Abrindo possibilidades
Nesse vácuo entre a economia real e o mercado financeiro, o principal desafio – e trabalho – é o de mostrar aos empresários as possibilidades que o mercado de capitais pode trazer. Tudo começa no crédito e no financiamento à atividade empresarial e, ao longo do tempo, evolui para conversas mais ligadas à liquidez e investimentos.
Não é como se as instituições financeiras estivessem paradas. Em uma entrevista recente ao Estadão, Guilherme Rossi, diretor do Private Banking do Banco do Brasil, ressaltou que a carteira – e o conhecimento – da instituição financeira no setor abre um espaço importante para o private da instituição financeira crescer.
Programas como o Parceria Atacado, em que sócios de grandes empresas recebem ofertas para começar a fazer investimentos como pessoa física foram uma estratégia de sucesso em 2023, apontou o executivo. Entre os produtos de investimento, Rossi ressaltou o uso de fundos de previdência, em busca de diferenciais tributários.
É maratona, não corrida de cem metros
“Na média, os clientes são pessoas que têm um patrimônio muito grande, porque o preço de terras aumentou muito no Brasil ao longo dos últimos anos, mas com propriedades de pouca liquidez. Existe uma lacuna muito importante do ponto de vista de sucessão, plano de previdência, seguro de vida”, resume Daniel de Paula, fundador da Nexgen, um dos únicos escritórios com classificação private da XP no Norte e Centro-Oeste.
Hoje, o canal para resolver essas lacunas passa pelo multifamily office do escritório. Dos R$ 5 bilhões sob assessoria que a Nexgen tem, R$ 3 bilhões estão nessa vertical. Além de auxiliar clientes com planos de previdência e sucessão, a vertical lida também com investimentos, predominantemente atrelados à renda fixa.
Os aportes são feitos principalmente via carteiras administradas ou investimentos offshore (nesse caso, alocações em emissores high grade e em títulos da dívida dos Estados Unidos). Para fazer parte do multifamily, é necessário ter pelo menos R$ 30 milhões em investimentos.
Para não assustar esses clientes — a maioria com perfil conservador —, a Nexgen adota uma linha mais conservadora, colocando cerca de 80% da carteira em investimentos de renda fixa e 20% em ações. “Tirar o dinheiro de um CDB (Certificado de Depósito Bancário) e de repente ir para um S&P (índice de ações da Bolsa de Nova York) ou investimentos de alto risco é dar muita dor de cabeça com a volatilidade”, diz De Paula.
A paquera é longa
O tempo para conseguir convencer clientes a chegar nessa etapa é longo, num processo que exige muita resiliência. Marcos Pinheiro, sócio da Kaza Capital, escritório de agentes autônomos afiliado ao BTG Pactual em Goiânia, conta que o prazo entre as primeiras conversas com executivos e a destinação de recursos para investimentos pode chegar a três anos.
“Existem muitos clientes que sabem fazer muito dinheiro, mas não sabem como rentabilizar um recurso. Quando têm eventos de liquidez, não existe a ideia de construir um planejamento financeiro, mas sim de recorrer primeiro ao relacionamento com um banco com quem ele já se relaciona, mesmo que a rentabilidade das aplicações não seja tão alta quanto poderia”, explica Pinheiro. Hoje, o escritório atende no private clientes com patrimônio a partir de R$ 50 milhões para investir.
É um comportamento que começa a mudar nas gerações mais jovens, mais curiosas e abertas a entender o potencial que investimentos – ou estruturas de dívida diferentes de um tradicional empréstimo – podem oferecer, afirmam os profissionais, em unanimidade.
“Tem cliente que nunca abriu conta em banco digital, por exemplo, mas cujo filho já tem recursos aplicados aqui comigo. Essa é uma porta importante porque daqui a dez, quinze anos, esses profissionais provavelmente vão estar no comando das empresas de suas famílias e é fundamental cultivar esse relacionamento desde já”, diz Pinheiro.