Tributação

Por que a BrasilAgro perde o interesse por fazendas em recuperação judicial

Em um processo de recuperação judicial, o desconto na dívida dado pelos credores pode tirar a atratividade dos prejuízos fiscais acumulados, diz o CEO André Guillaumon

Um dos grupos agrícolas mais capitalizados do País, a BrasilAgro é uma candidata natural a adquirir empresas de produtores rurais que ficaram alavancados demais e precisam de liquidez para reorganizar a estrutura de capital.

Mas se a fazenda em questão fizer parte de um processo de recuperação judicial, as portas praticamente se fecham. A afirmação é de ninguém menos que André Guillaumon, CEO da BrasilAgro e um dos executivos mais respeitados da agricultura nacional.

“Em ativos que estava negociando e pediu recuperação judicial, perdeu o interesse”, disse Guillaumon em entrevista a jornalistas, evitando citar ativos específicos.

Essa é mais uma sinalização de que as RJs podem criar mais problemas do que soluções para o agricultor. Afinal, nem só o crédito nos bancos seca com a recuperação judicial, mas também o interesse de players como a BrasilAgro.

A lógica para esse movimento de aversão é tributária. Na aquisição de ativos estressados (jargão do mercado financeiro para negócios que precisam reorganizar as dívidas), a BrasilAgro pode comprar uma fazenda e absorver os prejuízos fiscais acumulados, ficando com um crédito tributário.

Em um processo de recuperação judicial, no entanto, é comum que os credores aceitem dar um desconto na dívida — o bom e velho haircut — para viabilizar a reorganização do devedor.

A depender da magnitude desses descontos, a Receita Federal pode tratar o perdão de dívida como um ganho de capital tributável, sujeito à alíquota de 34%, explicou o CEO da BrasilAgro. “Quando pede RJ e vai ter haircut, vira ganho de capital e meio que anula os prejuízos fiscais acumulados”.

Ruy Toledo Piza, head do jurídico e sócio da gestora Augme Capital, procurou a reportagem após a publicação e esclareceu que o raciocínio de Guillaumon só vale para a aquisição de empresas inteiras, e não de fazendas específicas.

“A tributação do haircut e a compra de um ativo imobiliário são conceitos muito diferentes”, explicou Piza. Como a BrasilAgro estava de olho em empresas (que passaram a ser formalmente recuperandas ao entrar em RJ) de olho também nos retornos dos prejuízos fiscais, a lógica tributária se aplica.

Vendedor ou comprador?

Para Guillaumon, as melhores oportunidades de aquisições devem aparecer em ativos estressados pré-recuperação judicial. “Tem muita coisa que vem antes da RJ. Esses são ativos que a gente gosta mais”, disse ele, reafirmando que a BrasilAgro voltou a ficar mais compradora.

“Fomos muito vendedores nos últimos anos e pouco compradores. Agora, a balança está mais equilibrada”, contou. Ainda assim, a BrasilAgro continua olhando para oportunidades de vendas de ativos do portfólio.

“Não é um ano de safra ruim que vai tirar toda a liquidez do mercado”, disse, citando a venda de uma área da fazenda Chaparral, fechada em março por R$ 364 milhões.

O negócio imobiliário, aliás, foi o mais relevante para os resultados da BrasilAgro na safra 2023/24, que acabam de ser divulgados. No período, os ganhos com as vendas de fazendas somaram R$ 248 milhões. O Ebitda das operações agrícolas, por sua vez, foi de apenas R$ 31 milhões, reflexo das margens apertadas no cultivo de soja e cana.

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O CEO da BrasilAgro evitou comentários sobre alvos específicos, mas o pedido de recuperação judicial da Elisa Agro pode ter afastado o interesse da companhia no negócio que pertence à família Mitre.