Terras

Quem é Fernando Stein, o gaúcho que está montando a ‘SLC do arroz’

Herdeiro de uma tradição de arrozeiros que deu origem à dona da Tio João, o empresário fez fortuna no negócio de estacionamentos, mas voltou às origens com a SVP Agrícola

Do Rio Grande do Sul, vieram alguns dos mais proeminentes empresários do agronegócio brasileiro. Fazer de Mato Grosso uma potência agrícola, aliás, não teria sido possível sem muitos gaúchos — não é mera coincidência que Gaúcha do Norte seja o nome de uma das cidades agrícolas do Centro-Oeste.

Fernando Stein, um empresário que fez fortuna no negócio de estacionamento — ele foi o CEO da Park Indigo no Brasil, rede que fatura mais de US$ 900 milhões globalmente —, quer ingressar nesse seleto time de gaúchos do agronegócio de uma forma diferente.

Ao contrário da trajetória das famílias Logemann (SLC) e Dumoncel (3tentos), que se expandiram rumo ao Mato Grosso e ao norte agrícola do Brasil, Stein quer construir uma potência dentro das fronteiras do Rio Grande do Sul, a partir de uma commodity menos óbvia.

“Por que não criar uma mini SLC focada no arroz?”, provoca Stein. Da resposta a essa pergunta nasceu a SVP Agrícola, a companhia que Stein criou há menos de dois anos e que plantará 10 mil hectares neste ano, o que já é uma área relevante para o porte das propriedades rurais no Rio Grande do Sul.

A ambição do empresário é chegar a 80 mil hectares em dez anos em terras gaúchas, o que transformaria a SVP em uma das maiores (se não a maior) produtora de arroz do País.

Tradição de arrozeiros

Empresário serial, Stein trabalhou por 20 anos na indústria de estacionamentos e investiu em vários negócios (foi um dos primeiros investidores do iFood), mas ele é também herdeiro de uma tradição rural.

Seu avô, João de Oliveira, era o mais jovem da família que fundou a Granja Quatro Irmãos, uma das maiores produtoras de arroz do Rio Grande do Sul até hoje, com 8 mil hectares. A família Oliveira também criou a centenária Josapar, a dona do arroz Tio João.

Fazenda de arroz arrendada pela SVP, de Fernando Stein
Fazenda de arroz arrendada pela SVP Agrícola, de Fernando Stein, que concentra as operações no Rio Grande do Sul | Crédito: Divulgação

Com o passar das gerações, os herdeiros da Granja Quatro Irmãos e a Josapar separaram os negócios. Stein é herdeiro de um dos ramos que detêm uma participação na fazenda, enquanto outro ramo ficou com a beneficiadora de arroz e feijão listada na B3.

Mas a volta de Stein às origens agrícolas só ocorreu em 2019, quando ele deixou o comando da Indigo e passou a acompanhar os negócios da Granja Quatro Irmãos mais de perto. Na pandemia, ele comandou a fazenda — localizada no município de Rio Grande — por alguns anos, de onde aprendeu sobre gestão agrícola e ajudou a implementar novas tecnologias, conectando a propriedade com Starlink e usando telemetria da Solinftec.

Foi no dia a dia da Granja Quatro Irmãos que Stein teve a ideia de criar uma operação de arrendamento de arroz de grande porte, um modelo asset light que lembra a estratégia da SLC. O conselho de administração do grupo não topou, mas deu o aval para Setin seguir com o projeto solo, desde que não fizesse no mesmo município. Assim foi.

O modelo da SVP

Com o sinal verde, o empresário passou a prospectar áreas no Rio Grande do Sul. Para tocar o projeto, a SVP Agrícola precisava fazer um mapeamento das terras passíveis de arrendamento, um trabalho conduzido pela Acres, a imobiliária rural que pertence ao grupo Safras & Cifras, do consultor Ciloter Borges Iribarrem.

“Montei um plano de negócios que se inicia em áreas de pelo menos 3 mil hectares”, contou Stein em conversa com The AgriBiz.

No estudo sobre as terras gaúchas, as áreas foram separadas pela rodovia BR-290, que corta o Rio Grande do Sul. Acima da rodovia, estão áreas menores, “picadas”. Abaixo, ficam as áreas maiores, que fazem sentido no modelo de negócio da SVP Agrícola. No pipeline, há 160 mil hectares com potencial para arrendar.

Com o banco de terras, Stein passou a bater de porteira em porteira para sondar o interesse dos proprietários em arrendar as terras —após duas quebras de safra consecutivas no Rio Grande do Sul, era de se esperar condições melhores para arrendamento. Logo, ele encontrou a demanda.

“As famílias têm desafios de sucessão ou financeiro”, explicou o empresário, citando as razões que motivam o negócio.

A primeira fazenda do projeto, que pertence à família Almeida, foi arrendada no ano passado, em Santa Vitória do Palmar. O último arrendamento, uma fazenda de 6,5 mil hectares, foi anunciado recentemente. A Acres foi a assessora da SVP na transação. No momento, a empresa agrícola negocia pelo menos mais uma fazenda para arrendar, de 9 mil hectares.

Longo prazo

No modelo da SVP, Stein só assume as áreas se os proprietários concordarem com um arrendamento de 20 anos, o prazo necessário para que os investimentos tenham o retorno ideal. “Esse prazo é fundamental porque você não vai ganhar dinheiro em alguns anos por mercado e clima”, argumentou.

Para assumir as áreas, a SVP faz um investimento inicial, pagando um ágio sobre o valor dos equipamentos da propriedade. “É um dinheiro que colocamos para ter as chaves do negócio”, compara Stein.

Os donos da terra recebem os recursos iniciais e, anualmente, o valor do arrendamento, que varia conforme a cultura. No arroz, os preços ficam perto de 30 sacas por quadra (o equivalente 1,7 hectare). Na soja, de 7 a 10 sacas por hectare, segundo Daniel Meirelles, sócio-diretor da Acres.

O Ebitda do ping pong

Acostumado a gerenciar negócios sob a ótica financeira, Stein estruturou o modelo de da SVP Agrícola para pensar também assim, olhando para a geração de caixa.

Segundo o empresário, esse é o diferencial para tornar o negócio rentável no longo prazo. No setor, não é raro que as empresas cuidem pouco da gestão. “E nem estou falando de um ERP (software de gestão), mas um Excel básico. Muitos sequer usam”.

Para fazer o modelo parar em pé, a SVP planejou um modelo que faça a rotação entre o arroz irrigado e a soja, um sistema conhecido no Rio Grande do Sul como “ping pong”.

Além do benefício agronômico, evitando o empobrecimento do solo de uma monocultura e o risco de pragas como o arroz vermelho, a rotação permite que a companhia faça uma arbitragem entre soja e arroz.

A atual safra, a primeira da SVP, é uma demonstração. Quando estabeleceu as bases da companhia, a soja estava a R$ 170 por saca. Agora, está perto de R$ 130 por saca no Rio Grande do Sul.

Com a soja a R$ 170, a SVP projetava um Ebitda de R$ 3,7 mil por hectare, mas a queda reduziu esse resultado para R$ 1,5 mil. No arroz, no entanto, a margem explodiu, impulsionada pela disparada dos preços — um reflexo da restrição às exportações na Índia, que abriu algum espaço para o Brasil exportar.

“O arroz bateu uma margem histórica e conseguimos tirar acima de R$ 4,5 mil de Ebitda por hectare”, revelou Stein. Nesta safra, a SVP plantou 65% com arroz e 35% de soja, mas é esperado que as duas comodities oscilem entre 60% a 40%.